Inteligência Artificial no Mercado Financeiro: Inovação, Desafios e o Futuro da Estabilidade Econômica
Wilian Domingues
Se existe algo no mundo complexo e interconectado, esse é o mercado financeiro. Agora, imagine como está esse mundo com a IA. Vou tentar descrever um pouco, apenas um pequeno tema desse vasto universo.
Imagine que o mercado financeiro é um grande jogo e que, nos últimos dois anos, vem recebendo uma série de atualizações até que chegou a uma versão bastante inovadora. Essa super atualização foi a Inteligência Artificial.
Depois dessa atualização, é como se fosse incorporado um superpoder aos computadores e sistemas que estão jogando. Essa atualização torna os sistemas mais rápidos, mais inteligentes e capazes de aprender com o jogo, só que de um jeito muito mais rápido.
Agora os sistemas não são como antes, que analisavam cenários e traziam algumas projeções. Agora, os sistemas conseguem criar seus próprios cenários, sem limite de variáveis ou de processamento. Por exemplo, o sistema de IA da Bridgewater Associates analisa grandes conjuntos de dados para identificar padrões e tendências que podem não ser visíveis para analistas humanos. Outro exemplo é o uso de sistemas de IA por bancos em operações de crédito, onde algoritmos avaliam a solvabilidade de clientes mais rapidamente e com potencialmente menor risco de inadimplência.
Os sistemas do mercado financeiro enriquecidos com IA conseguem prever as próximas jogadas ou movimentações do mercado. Eles conseguem literalmente antecipar os movimentos globais de movimentação financeira, tudo isso numa fração de segundos porque existem diversos modelos matemáticos criados pelos algoritmos.
Os sistemas ganharam um reflexo super-rápido para se desviar de ataques surpresa. Isso é bom porque pode garantir que milhões de pessoas não percam seus patrimônios, mas ao mesmo tempo é um sinal claro da dependência do mercado financeiro dos super algoritmos.
A questão aqui proposta, como um profissional de tecnologia e não do mercado financeiro, é se estamos caminhando para uma maior estabilidade algorítmica ou nos aproximando da beira de um possível colapso financeiro digital.
É inegável que a automatização da negociação trouxe eficiências significativas para os mercados, incluindo maior liquidez e a capacidade de processar um volume enorme de transações em milissegundos. Contudo, a velocidade e a interconexão desses sistemas também podem amplificar riscos, pois pequenos erros ou flutuações podem ser rapidamente exacerbados, resultando em movimentos de mercado extremos, como os flash crashes.
Os flash crashes são fenômenos do mercado financeiro onde ocorre uma queda abrupta e extremamente rápida nos preços dos ativos, seguida por uma recuperação igualmente rápida. Isso acontecia no passado, mas com uma velocidade diferente da de hoje.
O que se questiona é que dada a sofisticação desses algoritmos se uma simples marola pode ser interpretada por eles como um tsunami a caminho, e isso pode provocar mudanças significativas nos investimentos e nas ordens de compra e venda daquele momento, sem falar no impacto sobre o valor das empresas.
Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades. A IA é poderosa, mas também precisamos ter certeza de que podemos confiar nela, assim como um jogador confia em seu parceiro de equipe. Se a IA cometer um erro, pode ser algo grande, afetando muitas pessoas. Por isso, é vital que os programadores (os criadores dos algoritmos) estejam sempre atentos, aprimorando a IA para que ela seja não só inteligente, mas também segura e confiável.
A questão da estabilidade algorítmica centra-se em como gerenciamos e regulamos a tecnologia financeira. Uma maior estabilidade algorítmica exigiria sistemas robustos, testes rigorosos e simulações de cenários extremos, bem como uma supervisão regulatória que acompanhe a evolução da tecnologia.
Num mundo que acena para instabilidades geopolíticas em curto e médio prazo, os algoritmos financeiros exercerão cada vez mais poder sobre o fluxo do capital financeiro e sobre nossas vidas.
Já vimos especialistas como o CEO da BlackRock, Larry Fink, destacando a importância da IA na gestão de risco e na personalização de serviços financeiros para clientes. Em contrapartida, especialistas como Kai-Fu Lee, um pioneiro em inteligência artificial, advertem sobre os riscos de confiar excessivamente em algoritmos, que podem falhar em prever crises atípicas ou eventos de “cauda longa” no mercado.
Quando olhamos para o cenário global, vemos a União Europeia focando em regulamentações rigorosas para garantir a transparência e a ética, contrastando com o que vem acontecendo nos Estados Unidos, onde há uma ênfase maior na inovação e no desenvolvimento tecnológico. A China, por sua vez, tem feito grandes investimentos em IA para se tornar líder mundial no setor, aplicando a tecnologia em diversos aspectos do mercado financeiro, desde a avaliação de crédito até sistemas de negociação algorítmica.
Em suma, a evolução para um sistema financeiro mais estável e menos suscetível a crises abruptas como os flash crashes depende não apenas de avanços tecnológicos, mas também de uma governança e regulação adequadas.
A interseção entre finanças e tecnologia continua a evoluir, e a maneira como lidamos com essa evolução determinará se estamos caminhando para uma estabilidade algorítmica sustentável ou para um terreno instável que poderia levar a um colapso financeiro digital.
*Wilian Domingues é Professor de MBA USP ESALQ